AMIMT

Trabalho Noturno e em turnos

Que problemas de saúde o trabalho noturno ou em troca de turnos pode trazer ao trabalhador? 

Muitos estudos tem sido realizados há mais de 50 anos mostrando que há importantes prejuízos à saúde causados pelo trabalho noturno. Os sintomas e doenças mais freqüentes associados são: problemas gastrointestinais (azia, má digestão, maior risco de úlceras gástricas, irritações do cólon, dificuldades em manter regularidade na regularidade intestinal), alterações metabólicas dos lipídeos, particularmente com aumento do colesterol de baixa densidade( LDL – o “mau”colesterol), maiores riscos de desenvolver doenças cardiovasculares ( decorrente em parte dos problemas metabólicos dos lipídeos, e também por facilitar o aumento de peso decorrente da irregularidade alimentar, por irregularidade nos estilos de vida saudáveis ( por exemplo, ter hábito de fumar, e de beber bebidas alcoólicas, sedentarismo, etc).

É bastante comum a pessoa ter dificuldades para adormecer, e para se manter dormindo, com isso reduzindo a duração do sono- particularmente o sono diurno. As pessoas também podem sentir bastante sonolência noturna, com dificuldades em manter a concentração, em se lembrar de fatos recentes, etc. Há muitos estudos mostrando que os riscos de sofrer ou causar acidentes de trabalho aumenta com o trabalho noturno, particularmente, se a jornada de trabalho é prolongada. Pesquisas mais recentes mostram que há aumento do risco de desenvolver diabetes, há associações entre câncer de mama e câncer cólon-retal com o tempo de trabalho em turnos, particularmente o noturno.

Li que o trabalho noturno afeta o ritmo circadiano das pessoas. O que é ritmo circadiano? Como o trabalho noturno o afeta? Que conseqüências isso traz para a saúde?

Nosso organismo, as nossas funções fisiológicas funcionam de forma rítmica, ou seja, tem altos e baixos ao longo de um certo período de tempo. Este período pode ser de aproximadamente um dia (circadiano), de poucos segundos, minutos ou horas (ultradianos), ou de mais de 28 horas até meses(ritmos infradianos). Todos os seres vivos da Terra (animais e vegetais) apresentam ritmos biológicos.

No caso dos seres humanos, estes ritmos são endógenos, internos, e auto-sustentados por grupos de células localizadas dentro de nosso cérebro- os centros do chamado “relógio biológico”. São interligados com várias regiões cerebrais e fora do cérebro – de forma harmônica anunciam ao nosso organismo como deve se comportar – se de dia ou à noite, quais e quanto de cada hormônio será secretado, quando as células de certos tecidos devem se dividir, qual a concentração de enzimas que deve haver naquele momento ou em outro para digerir os alimentos, a velocidade de transmissão de neurotransmissores, dos batimentos cardíacos, da pressão arterial, da viscosidade do sangue, etc.

Os ritmos internos são sincronizados por marcadores externos, presentes no meio ambiente, como a variação entre luz-escuro, do relógio que nos permite saber as horas do dia ou da noite, do momento em que ocorrem as atividades sócio-familiares, dos horários de trabalho, etc.Um ritmo infradiano bastante conhecido é o do ciclo menstrual, que tem um período aproximado de 28 a 30 dias.Um exemplo de ritmo ultradiano é o ritmo da sonolência – sentimos sono no meio do dia, e à noite.Nossa temperatura corporal tem um marcado ritmo circadiano – com aumento durante o dia e o máximo no final da tarde, e uma queda lenta, gradual, após as 18 – 19 horas, alcançando o mínimo no meio da madrugada.

Tornando a subir ao longo da manhã, e voltando a cair novamente no começo da noite. Há uma diferença de 1 grau a 1,5 graus entre o mínimo e o valor máximo diário do valor da nossa temperatura central. Se vocês pegarem o termômetro, e medirem a temperatura às 19 horas, provavelmente o valor será próximo a 37 graus.

Se continuarem medir a temperatura verão que começa a cair ao longo da madrugada. De manhã cedo já estará subindo novamente. Uma pessoa que dorme à noite e está ativa durante o dia, e cuja temperatura periférica, medida com um termômetro, marque 37 graus de manhã, provavelmente está doente. Mas, o mesmo valor no final da tarde, pode ser absolutamente normal. Há uma pequena queda da temperatura central ao redor das 11-14 horas, que também corresponde ao horário do almoço. Mesmo que não comamos nada, a temperatura vai cair, e por isto, sentimos sono neste período do dia. Aliás, fazer jejum aumenta a sonolência. De madrugada, a temperatura está mais baixa, e sentimos muito sono. Por isto também é difícil de ficar acordado durante a noite.Quando trabalhamos várias noites e dormimos durante o dia, a curva da temperatura altera-se – não sobe muito durante o dia, nem desce muito à noite.

Pelo fato da temperatura não diminuir durante o período de sono diurno, a pessoa vai ter dificuldade em cair no sono, e mantê-lo.Quando trabalhamos durante o período noturno ( seja em horário noturno fixo, ou em turnos alternantes), não dormimos no período que devemos sempre dormir, ou seja, durante a noite. Tomamos luz na hora errada – ou seja, no momento quando deveríamos estar no escuro, dormindo. Um importante hormônio marcador do dia e da noite para o nosso organismo é a melatonina.

Quando nossa retina recebe luz, e passa esta informação à glândula pineal, a melatonina deixa de ser produzida e enviada à corrente sanguínea. A melatonina é produzida à noite, quando estamos dormindo, e isto leva também a indução do sono.A melatonina tem sido utilizada para diminuir os efeitos do jet-lag para passageiros que atravessam muitos fusos horários.

Mulheres e pessoas mais velhas sofrem mais? 

Mulheres têm freqüentemente problemas menstruais, e podem apresentar dificuldades em engravidar quando trabalham à noite.Se grávidas, devem deixar o trabalho noturno, pois este pode alterar de forma significativa vários hormônios e provocar parto prematuro, ou mesmo aborto.As pessoas mais velhas têm mais dificuldades em trabalhar à noite, porque seus hábitos de vida tornam-se mais rígidos com a idade, particularmente os hábitos de sono. O comportamento dos ritmos biológicos de uma pessoa vai se modificando com a idade, e se tornando menos flexíveis a mudanças bruscas que ocorrem quando a pessoa tem que trabalhar à noite, ou em horários irregulares.A flexibilidade nos hábitos de dormir e ficar acordado podem facilitar trabalhar à noite e dormir durante o dia. Pessoas mais vespertinas podem sentir maior facilidade para ficarem acordadas até mais tarde, e assim podem sentir menos sono quando tem que trabalhar até tarde.

Só o fato de trabalhar à noite já traz problemas para a saúde ou a existência e intensidade desses problemas depende do tipo de trabalho? Só quem faz trabalho pesado sofre? 

Infelizmente, o trabalho noturno afeta tanto trabalhadores que fazem serviço físico mais intenso, e aqueles que trabalham sentados, por exemplo, na frente de um computador. Os que trabalham com computadores à noite podem sentir uma grande sonolência, aliada ao trabalho monótono, e débitos de sono crônicos.Quanto mais noites a pessoa trabalha, pior para a saúde dela.

Os esquemas de trabalho em turnos modernos são de poucas noites de trabalho consecutivas, seguidas de dias de folga para recuperação da fadiga e dos débitos de sono contraídos nos dias em que se trabalha à noite. Uma dica para sentir menos sono à noite, é ir tirar um cochilo algumas horas antes de ir trabalhar à noite. E acordar pouco antes da hora de ir para o trabalho. Quanto menos horas tiverem se passado entre o último sono, menos sono sentiremos.

Um cochilo no meio da madrugada, se for possível, faz muito bem à saúde, além de diminuir a sonolência noturna. Mesmo poucos minutos – por exemplo, 20 minutos de sono, é melhor do que nenhum sono.

Soube que no Japão há uma tradição de cochilos noturnos. Espero que estes possam ser tirados quando vocês trabalham à noite.

 

Dificilmente os trabalhadores noturnos (ou que que trabalham em turnos alternados) podem mudar o horário de trabalho. Então, o que eles devem fazer para preservar evitar problemas de saúde? 

Tentar levar uma vida saudável – com alimentação equilibrada( comer alimentos ricos em fibras vegetais- sejam crus ou cozidos, arroz integral, muitas frutas, muito pouca gordura na comida), fazer exercícios físicos regulares (como caminhadas diárias), evitar o fumo e o álcool ( pois potencializam os problemas de saúde), manter o peso, tentar dormir em ambiente tranqüilo, completamente escurecido, e de preferência ir dormir após refeição leve. É mais fácil, após uma noite de trabalho, ir dormir no final da manhã, pois a temperatura central do corpo cai um pouquinho neste horário do dia.

Durante a noite deve-se comer o menos possível, particularmente gorduras (de origem vegetal ou animal) para evitar problemas na metabolização dos lipídeos. Evitar tomar refrigerantes com cafeína (a maioria dos refrigerantes tem), café, chá preto ou mate, tanto no trabalho noturno, quanto antes de ir dormir.

A parte sócio-familiar é muito importante, pois a família é o grande apoio do trabalhador em turnos fixos ou alternantes. A família deve ajudar a quem trabalha à noite, mantendo os ambientes tranqüilos, preparando refeições saudáveis ao trabalhador, permitindo que a pessoa possa descansar – e não ficar cuidando da casa ou das crianças, quando retorna cansado do trabalho. Quem tem problemas de saúde não deve começar a trabalhar à noite, pois estes problemas tendem a piorar. Assim, há várias condições de saúde que impossibilitam uma pessoa de trabalhar à noite. Alguns deles são: distúrbios gastrointestinais crônicos, dificuldades de manter o sono, epilepsia, doença do cólon irritável, etc.

 

Quem trabalha em turnos alternados sofre mais do que quem só trabalha à noite? Imagino que quem trabalha só à noite fica mais acostumado, enquanto quem vive mudando de horário não tem tempo de se acostumar. 

Infelizmente, nosso corpo nunca se acostuma com a inversão do dia e da noite. O Homem é um ser de atividade diurna e repouso noturno. Após muitas semanas de trabalho noturno, bastam poucos dias dormindo à noite e já se observam modificações importantes dos ritmos biológicos tentando se comportar de forma normal.
Quanto maior o número de noites trabalhadas, maiores os problemas que a pessoa enfrenta a curto, médio e longo prazo. Maiores serão as perturbações biológicas e comportamentais.

Se precisar de mais informações, favor ler o livro: Trabalho em turnos e noturno na sociedade 24 horas. Fischer, Frida M, Moreno CRC, Rotenberg L, organizadoras.São Paulo, Editora Atheneu, 2003.
Há um exemplar na internet, gratuito, com publicações sobre trabalho em turnos e noturno. É na Revista de Saúde Pública, volume 38, 2004, suplemento. Os artigos estão em inglês.
Pela internet faz-se o download gratuito deste número: www.fsp.usp.br/rsp

Recentemente, foi publicado num periódico japonês, Industrial Health, uma série de trabalhos científicos sobre trabalho em turnos, particularmente sono. O download também é gratuito:
Industrial Health sleep issue (Vol. 43, No. 1). Veja: http://www.niih.go.jp/en/indu_hel/2005/index.html