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O impacto da COVID-19 na saúde mental

A COVID-19 devido sua transmissão generalizada foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma pandemia. As consequências não se limitam à infecção e demais doenças correlatas. Considerando sua ressonância em diferentes contextos, os impactos psicossociais e econômicos podem ser incalculáveis.

Durante as epidemias, o número de pessoas com a saúde mental afetada tende a ser maior que o número das afetadas pela infecção, e esta pode perdurar mais e ter maior prevalência que a própria epidemia ¹.

A doença mental envolve interações entre fatores biológicos e sociais e, neste momento, os fatores sociais atuam como fortes estressores e consequentemente desencadeadores e motivadores de episódios depressivos e ansiosos, entre outros distúrbios ².

Neste cenário, temos o trabalho e o ambiente de trabalho, considerado um valor fundamental do ser humano e essenciais para a saúde mental. A construção do sentido de propósito, recursos financeiros, identidade, sensação de pertencimento a organização são sentimentos que promover o bem-estar psíquico e extrapolam as fronteiras da saúde e adentram o cenário econômico.

A economia global devastada piora as condições socioeconômicas dos países e, consequentemente, dos indivíduos que, quando se mantem empregados, podem vir a apresentar uma queda do Bem-estar no trabalho, que por sua vez reduz a produtividade e dificulta o crescimento econômico. O contexto de crise interfere nas condições da organização do trabalho e na vida das pessoas de formas diferentes de acordo com a função executada, o regime de trabalho e a forma de processamento e enfrentamento às situações.

A busca pela manutenção do bem-estar dos trabalhadores visa garantir continuidade, produtividade, sustentabilidade e lucratividade dos negócios, que dentro da cadeia produtiva se reflete em maior produção e ganhos para as empresas e para o país.

Neste momento, os trabalhadores podem experimentar mais insegurança no emprego e a percepção de uma carga de trabalho aumentada, podem ainda receber menos apoio social de seus colegas, enfrentar o medo da infecção, a solidão e o estigma (no caso dos que estão na linha de frente e dos tidos como “grupo de risco”), podem estar trabalhando como novas modalidades de trabalho, para as quais não se sentem capacitados, por fim, podem estar passando por dificuldades ou até mesmo terem perdido seus empregos.

Devido uma grande inabilidade social para lidar com essas situações e a importância ímpar do trabalho no cenário da retomada econômica, mais do que nunca se faz necessário a figura do Médico do Trabalho e é imprescindível o domínio da Psiquiatria.

A fusão desses dois saberes compõe a área da Psiquiatria do Trabalho, campo de compreensão e intervenção sobre o trabalho e as organizações, com a finalidade de construir estratégias e procedimentos que promovam, preservem e reestabeleçam o bem-estar ³.

Cada situação guarda suas particularidades e possíveis tratativas, são cenários e atores diferentes inseridos em um mesmo constructo, cada caso deve ser analisado com critério, cuidado e empatia, entendendo que somos todos parte da engrenagem que move o mundo, somos responsáveis por cuidar da saúde física e mental dos nossos trabalhadores.

As intervenções nas empresas podem ser primárias (redução de estressores), secundárias (redução de estresse percebido pelo indivíduo e estratégias de enfrentamento) e terciárias (redução das consequências de longo prazo relativas ao adoecimento e a reinserção dos trabalhadores) 4.

Realizar a atenção primária em relação a saúde mental, ainda mais em tempos de pandemia é muito difícil, nossa maior atuação nesse momento deve ser na prevenção secundária e terceária, portanto precisamos desenvolver em nossos funcionários e em nós mesmos as estratégias de enfrentamento e preparar as empresas e os trabalhadores para esse novo cenário mundial que se apresenta.

*Dra. Letícia Maria Akel Mameri, Médica do Trabalho pela ANAMT, Psiquiatra pela ABP, pós-graduada em Perícia oficial, MBG gestão em saúde pela FGV, doutoranda em Bioética pela Universidade do Porto, diretora-secretária da Associação Psiquiátrica do ES